
Moradores de ocupação de Embu das Artes resistem em meio à ameaças do poder público
A Ocupação do Bem sofreu reintegração de posse sem aviso prévio em 3 de setembro e, desde então, famílias permanecem no local sem auxílio da prefeitura
Por Beatriz de Oliveira
16|09|2025
Alterado em 16|09|2025
Por volta das 6h da manhã do dia 3 de setembro, moradores da Ocupação do Bem, na região do Parque da Várzea, em Embu das Artes (SP), foram surpreendidos pelo barulho de carros de polícia e tratores. Eles estavam ali para demolir as casas. A reintegração de posse veio sem aviso prévio, e os agentes públicos não deram tempo hábil para que as 302 famílias retirassem seus pertences de suas moradias.
“A gente estava dormindo quando escutamos a máquina chegando”, conta Jennifer dos Santos. Ela saiu de casa assustada e quando ouviu um homem dizendo que o trator passaria por cima de seu barraco, pediu para que seu filho Noah corresse. A criança correu, mas foi atingida por uma telha na cabeça e precisou levar sete pontos.
Jennifer diz se sentir humilhada, sentimento compartilhado por sua mãe, Ariana dos Santos, que também vivia na ocupação. “Quem paga aluguel, quer ter sua casinha, seu cantinho, eu sonhava em ter meu canto para dar dignidade às minhas filhas e pra mim”, diz. E resume: “a gente tinha um sonho e virou um pesadelo.”

Ariana, Jennifer e Noah
©Beatriz de Oliveira
O Nós, mulheres da periferia foi até o local uma semana após a reintegração de posse. Lá, encontramos famílias que resistem por não ter para onde ir. São vigiadas a todo momento pela Guarda Civil Municipal e impedidas de montar barracas para se abrigar, tendo que dormir a céu aberto e acender fogueiras. Além disso, também relatam ameaças e restrições para entrar e sair livremente da área ocupada.
Ninguém ocupa porque quer
As famílias nos contaram que não foi apresentado nenhum documento ou mandado para a reintegração e, quando questionaram os agentes públicos, ouviram que isso não seria necessário por se tratar de um área de proteção ambiental.
Segundo o Código de Processo Civil, para que uma área seja retomada é necessária a emissão de um mandado de reintegração e citação dos réus, que têm o direito de contestar na Justiça. Isso não ocorreu no caso da Ocupação do Bem.
“A gente tá acampado na terra esperando uma decisão do nosso prefeito Hugo Prado”, diz Mário Jorge da Silva se referindo ao prefeito de Embu das Artes. Ele explica que as pessoas ali entendem que não foi correto ocupar uma área de meio ambiente para construir suas casas, mas o poder público não os deu outra chance de conquistar a moradia própria.
“Se você olhar para esse povo, você vê a carência nos olhos dessas pessoas, se você conversar com cada mãe, com cada pai de família, você vê a carência do pessoal, se eles não precisassem, não estariam aqui”, afirma.
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De fato, as famílias dessa e de outras comunidades não ocupam por vontade, mas por necessidade. Em 2024, o preço médio do aluguel residencial no país subiu 13,5%, de acordo com o Índice FipeZap. A alta é quase o triplo da inflação daquele ano, que acumulou 4,83%.
Se pagar aluguel é uma dificuldade, a compra da casa própria é uma realidade distante. As políticas públicas de habitação popular não dão conta da quantidade de famílias que precisam de casa. Em 2022, segundo a Fundação João Pinheiro (FJP), o déficit habitacional no país era de 6,2 milhões de moradias. O indicador de déficit habitacional se refere a habitações que não atendem às necessidades básicas, incluindo o ônus excessivo com aluguel e a falta de serviços básicos, como água, energia elétrica e saneamento.
Entre a tristeza e a resistência
Maria de Lourdes Trajano conta que quando ficou sabendo da existência da ocupação foi com a “cara e a coragem” realizar o sonho antigo de ter a casa própria. Fez dívidas para comprar materiais de construção e viveu ali por um ano e dois meses até ver tudo ser demolido. “O sonho de uma vida inteira destruído em um segundo”, desabafa.

Maria de Lourdes Trajano
©Beatriz de Oliveira
A Ocupação do Bem existia há pouco mais de um ano. E desde a demolição, os moradores que ficaram contam com a solidariedade de pessoas da região, recebendo doações de pessoas de outras ocupações próximas. Segundo eles, a prefeitura não tem prestado nenhum tipo de apoio e nem oferecido opções de moradia para que saiam dali.
No dia que estivemos no local, tratores faziam a terraplanagem do terreno. E no dia anterior, caminhões da prefeitura haviam retirado os móveis e pertences dos moradores que haviam sido salvos e os jogaram para fora do município, já que a ocupação fica na divisa entre Embu das Artes e Itapecerica da Serra.
Além disso, um dos acessos da comunidade era por uma ponte, também destruída pelo poder público. Os moradores fizeram então uma ponte improvisada para poderem transitar. Mas, horas depois que estivemos no local no dia 9 de setembro, a ponte foi novamente destruída. As pessoas relataram ainda que a tropa de choque foi até o local tentar retirá-los de lá.
Patrícia França lembra com lágrimas do olhos do dia da demolição. Ela relata que tirou o que conseguiu de sua casa, mas que antes do trator passar por cima seu gato voltou para dentro, e seu pedido para que a máquina parecesse não foi atendido. “Eles não tiveram compaixão nem com o animal”. Os dias que se seguiram também não tem sido fáceis. “O tempo todo a gente sendo ameaçado, dizem que vão tacar fogo na gente”, afirma.

Patrícia França
©Beatriz de Oliveira
Entre as formas de resistir e permanecer na terra, os moradores fizeram uma cozinha improvisada onde preparam as refeições a partir das doações que recebem. Luzinilca Gomes está entre as mulheres que preparam a comida. “Construí meu barraco, entrei para morar sem água, sem luz, sem internet e estou aqui até hoje”, conta
Diz sentir uma tristeza imensa pela situação que vive e ressalta a união entre as pessoas da Ocupação do Bem. “A gente tá super unido, é um pelo outro, a gente não tem mais nada, então temos que ficar um pelo outro mesmo”.

Luzinilca Gomes
©Beatriz de Oliveira
Tentamos entrar em contato com a prefeitura de Embu das Artes, mas não tivemos resposta até o fechamento dessa reportagem.